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O medo como uma paixão triste

  • Foto do escritor: Jaime Silva
    Jaime Silva
  • 6 de ago. de 2018
  • 4 min de leitura

O medo não deixa de ser uma força e como tal pode ser bem utilizada para que desviemos de perigos que nos destruiriam.



Por grande parte da filosofia de Nietzsche o conceito de vontade de potência é citado. Esta vontade é apresentada como uma força motriz, uma força geradora de mais força. Este conceito é explicitado no aforismo 36 de “Para Além do Bem e Mal”. No entanto, a vontade de potência pode se expressar de forma positiva ou negativa (como defende Pierre Heber-Suffrin). Quando é expressa de forma positiva gera aquilo que alguns chamam de excedente de força (em breve escreverei um texto apenas sobre o excedente de força). Essa forma de se expressar é resultado da luta de duas forças: ativas e reativas. As forças ativas são criadoras e as reativas são conservadoras, ou seja, conservam o estado que a vontade está. Essas forças estão sempre em conflito e o resultado desse conflito de forças faz a vontade de potência se expressar de forma positiva (se expandindo) ou negativa (retendo o que foi criado ou aquilo que já faz parte do corpo).



Para Nietzsche nossos afetos e paixões são também o efeito dessas forças e da vontade de potência. Como e porque sentimos medo? Um jurista disse uma vez:“É essencial que o medo tome tão bem as suas medidas, que todos se coloquem em condição de não ter mais nenhum motivo aparente de temor. Quando vamos nos deitar, fechamos cuidadosamente a porta do quarto, de medo dos ladrões: afinal, não temos mais medo… Assim, o medo engenhosamente inventa expedientes para expulsar a si próprio” (Pufendorf, em 1672). Esses medos estão presentes em nossas vidas o tempo todo, a grande maioria nasce do desconhecimento em nós mesmos e de como a vida funciona. Quando uma empresa chega e dá aquela palestra motivacional e fala que você é aquela empresa e que atingir as metas e cumprir a missão dela é aquilo que de melhor você pode e “deve” fazer com a sua vida ela está retirando o medo de viver uma vida sem sentido, o medo de encarar a vida de peito aberto para os perigos. Mesmo se sentindo bem com sua vida, crenças e visão de mundo no fundo todo mundo sabe, ou pelo menos sente quanto tem algo te fazendo mal, um peso sobre o peito. Às vezes nem sequer fazemos perguntas perigosas (veja as perguntas citadas no post sobre o Clube da Luta). Será que consumimos a nossa vida ou fomos consumidos por ela?

Talvez pensar a vida seja perigoso. Afinal, a própria vida é algo perigoso. Por algum tempo pensei no por que as pessoas ficam tristes quando alguém morre. E por que as pessoas perto da morte ficam tristes. E se isso tinha alguma coisa haver com o sentimento do medo. Uma das hipóteses levantadas era que as pessoas não estavam vivendo realmente a vida, mas sendo iludidas por moralidades, religiões, modos de viver, ideologias, visões de mundo, etc. para que fiquem sem viver. Para Nietzsche vida e morte são dois lados da mesma coisa intimamente ligada. Não seria possível vida sem morte. Mas por medo da simples ideia de finalidade, de que um dia deixaremos a vida, e vamos enfrentar a morte sem nunca ter vivido. Este seria um fato gravíssimo que ele aponta. Ou seja, no único momento que a vida chega e nos encara é expressando o seu epílogo dramático. Tem um diálogo interessante sobre isso (link). Temos algumas tarefas a fazer na esfera do pensamento e dos afetos. Se o medo é expressão, um afeto, ele tem o seu contrário: a coragem. Quando as forças reativas estão dominando e mantendo um afeto que nos apequena, a vontade de potência está se expressando de forma negativa e nos levando para aquilo que Nietzsche chamou de vontade de nada. Uma das tarefas seria cultivar as forças ativas para que ela se expanda. E as forças reativas para conservar a coragem e não o medo como afeto dominante em meio de nossas paixões e desejos. Usando os termos de Espinoza, o medo é uma paixão triste a partir do momento que ela diminui nossa potência. Sendo assim, todos os afetos têm seus lados, temos o medo e a coragem, a esperança e a pro-atividade, o amor e o ódio, alegria e tristeza, e por aí vai.               


Contudo, o medo não deixa de ser uma força e como tal pode ser bem utilizada para que desviemos de perigos que nos destruiriam. Ou seja, uma pequena dose de medo, mas uma grande dose de coragem, que nascem naturalmente nas pessoas, para enfrentar a vida (digo nasce, mas é preciso fazer o trabalho de um bom jardineiro e cultivar). É impossível viver no mundo da vida (sem amarras metafisicas, utopias de sociedade melhor, vida após a morte, muletas, etc.) sem a coragem necessária para encarar essa vida cheia de ameaças. Para tal cabe a cada um se adequar nas causalidades internas (psíquicas, afetiva, etc.) e externas (sociedade, economia, etc.) criando assim uma maneira singular de enfrentar os perigos. Só tenha cuidado para não morrer antes da hora que você deseja morrer. Que a morte de nossas paixões tristes seja uma vitória e que a clareza que a vida é finita, frágil, injusta, etc. caia sobre nós como uma dádiva e não como um peso que devemos suportar penosamente. Como diz o Zaratustra: “não é com raiva, mas com riso que se mata”.

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