A origem do bem e do mal
- Jaime Silva
- 10 de ago. de 2018
- 4 min de leitura
A questão chave é que Nietzsche se propõe e efetivamente fazer uma hierarquia das várias morais. Ele pergunta qual o valor da moral? Qual o valor do bem e do mal? Em suas suspeitas ele começa falando que nunca ninguém questionou o valor da moral, e que nunca ninguém perguntou por que o “bom” está acima do “mau”.

Que tal fazer um exercício: comece a pensar os seus valores (bem e mal), sejam eles quais forem, de cabeça para baixo. A partir de agora o mal está acima do bom. Todas as atitudes das pessoas com quem você convive que antes você via como boa veja como má, e as más como boas, passe alguns dias vendo seu mundo desta maneira e buscando explicações para que o mal seja melhor que o bom[1].
Nietzsche começou muito cedo se perguntando qual a origem do bem e do mal. Entendemos moral como uma maneira de avaliar o mundo. O filósofo faz uma reconstituição de como se deu a criação e instituição dos valores morais para o homem, ou seja, como o homem deu o cunho de “bem” e “mal” para tudo aquilo que o cerca e para o comportamento que ele pode assumir. Ele investiga em qual a condição as pessoas estavam inseridas quando criaram para si o bem e o mal. Uma hipótese etimológica que ele fez foi que alguns povos (os godos) se intitulavam como os “bons”, mas depois de algum tempo foi dada a significação má para esse mesmo povo. Logo, existiria outra forma, contrária, de atribuir tais valores. Toda a filosofia de Nietzsche parece girar em torno do conflito existente entre duas morais que ele chama de “moral dos senhores” e “moral dos escravos”[2]. Para ele a origem do sentido dos termos “bom” e “ruim” foi dada por aqueles que primeiro as utilizaram, ou seja, a nobreza ou aristocracia guerreira. E o termo bom os representava e o seu modo de viver não havendo associação como a ideia de utilidade. O termo “ruim” era apenas o complemento usado por essa classe aristocrata para se diferenciar daqueles que não pertenciam à mesma classe, ou seja, o homem simples, o “povo”, o ruim, o outro complementar.

A partir desta origem Nietzsche explica como surgiu outra dupla de termos (“bom” e “mal”) que veio a entrar em conflito com a primeira. Havia uma aristocracia que era formada tanto por uma classe política e guerreira como por uma classe sacerdotal. Então houve uma transição dessa nobreza guerreira para uma nobreza sacerdotal onde os senhores e aristocratas também eram sacerdotes. Segundo Nietzsche a partir desta transição foi o povo judeu que fez uma inversão dos valores nobres[3]. Para este povo o “mal” é o “bom” dos antigos aristocratas guerreiros e o “bom” é a negação do “bom” dos daqueles, ou seja, não ser como o tipo aristocrata. Segundo Nietzsche o surgimento dessa moral dos escravos se dá devido à incapacidade do homem simples (escravo) se tornar forte como o tipo aristocrata (senhor). Ele faz referência ao homem ativo, guerreiro, forte, potente, etc. para mostrar que a primeira (moral dos senhores) foi criada a partir do domínio das forças ativas e de uma vontade de potência ativa.
Enquanto a segunda (moral dos escravos) foi criada a partir do domínio das forças reativas e de uma vontade de potência negativa. Reativa por que ela parte como reação à primeira, invertendo os valores já existentes, ou seja, não tem potência suficiente para criar. Esse segundo tipo é ressentido, ele observa o devir conflituoso que é a vida e busca algo que seja o contrário, que seja fixo, imutável, eterno. Nessa empreitada ele cria a ideia do bem, da verdade absoluta, pois estes valores absolutos nunca mudam; assim como Deus também é eterno[4]. Já o tipo nobre ver na vontade de potência a possibilidade de se tornar mais potente e afirmar a vida de alguma forma.
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Nietzsche percebeu que esse jogo de forças não valoriza nada, logo, não existe moral na natureza. Apenas existe vontade de potência em conflito (lembra-se do capítulo 1?). Mas ao ler percebemos que ele está criticando uma moral. Se não existe moral na natureza como ele hierarquizou as morais que ele estudou? Ele percebeu que a vida é parte deste conflito de forças que existe no universo. Lembre-se do conceito de vida do início do livro. Então ele percebeu que a vida era um valor que não poderia ser avaliado por nenhum outro, logo ele ordenou as morais segundo a afirmação, engrandecimento, enriquecimento da vida e do conflito de forças que a vida é; ou a negação, apequenamento, empobrecimento da vida. Por isso que ao ler Nietzsche percebe-se que ele critica uma moral em favor da outra, pois uma delas afirma a vida enquanto a outra nega a vida. Aliás para mim os textos dele sobre esse tema são bastante claros.
Segundo exercício: se a vida é um conflito de forças, veja se a moral que você segue afirma a vida ou nega a vida. Pergunte-se se o que você chama de bom afirma a vida ou nega a vida. Depois de aplicar a si mesmo (e apenas depois) observe a moral das outras pessoas, veja se aquilo que elas chamam de bom, afirma a vida ou nega a vida. É um exercício bem pessoal e gostoso de fazer.
Por isso que Nietzsche destrói a moralidade ocidental, por isso sua filosofia nos aponta para tomar posição para além do bem e do mau. Por isso é uma filosofia a marteladas. Nietzsche destrói a moral a marteladas e nisso ele está libertando-nos para poder viver afirmando a vida. Engrandecendo a única coisa que não pode ser avaliada por peso nenhum, a coisa mais sublime que temos: a vida.
[1] Por que todo mundo se diz ser bonzinho?
[2] Ele dá varias nomenclaturas para essas morais.
[3] Nietzsche, Friedrich. Para Além do Bem e do Mal. Trad. Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 110.
[4] Se o leitor quiser mais informações sobre o assunto ler um livro chamado Genealogia da Moral de Nietzsche.
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