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A Liberdade e a crítica nietzschiana - parte 2

  • Foto do escritor: Jaime Silva
    Jaime Silva
  • 11 de ago. de 2018
  • 6 min de leitura

Segundo Nietzsche desde a Grécia Antiga a ideia de liberdade deixa para o homem a responsabilidade moral pelas escolhas que faz. Tirando de Deus, do outro, da sociedade, etc. essa responsabilidade. A denúncia de Nietzsche se dá através da linguagem que cria essa ideia de um ser que é causa de si mesmo e acaba criando absurdos como o “eu penso” de Descartes ou o “eu quero” de Schopenhauer. Nietzsche critica a criação do eu e do penso como sendo apenas uma nova forma de ambicionar e venerar a verdade por esses filósofos e também como a manutenção do ideal de que esse eu é livre de influências internas e externas (Nietzsche, Para Além do Bem e do Mal, 2008, p. § 16). Essa busca pela certeza imediata leva a uma falsa certeza nascida da lógica da gramática onde, como ele aponta: “toda ação (pensar) pressupõe a existência de um sujeito (eu)” (Nietzsche, Para Além do Bem e do Mal, 2008, p. § 17).



A ideia que Nietzsche entende em Descartes (e também em Schopenhauer) é que o eu é livre para escolher suas ações, dentre elas pensar (Nietzsche, Para Além do Bem e do Mal, 2008, p. § 16). Ele parte da ideia de Schopenhauer de que os pensamentos não vem quando o nós queremos, mas quando eles (os pensamentos) querem para apontar a falsidade dessa ideia de sujeito livre. Apontando que essas certezas podem ser usadas apenas como hipóteses para ajudar na compreensão de um fenômeno singular. Por exemplo: as ideias como causa e efeito (na linguagem) podem ser utilizadas para compreender e não para explicar o mundo como se ele realmente fosse assim (Nietzsche, Para Além do Bem e do Mal, 2008, p. § 21).


No aforismo 19 de Para Além do Bem e do Mal Nietzsche critica a ideia de Vontade de Schopenhauer apontando que esta não pode ser conhecida perfeitamente, pois existe uma pluralidade de sensações (pulsos) que tendem em direções opostas (afastar e chegar) e que até o pensamento é formado pelo resultado da luta dessas pulsões internas. O pensamento é o afeto que comanda a vontade, “pois em cada ato da vontade há um pensamento que o comanda” (Nietzsche, Para Além do Bem e do Mal, 2008, p. § 19). No entanto é o jogo de pulsões que gera tanto o pensamento[1] como também à vontade. Aquilo que se chama livre-arbítrio é o afeto (gerado das pulsões) que são superiores em um momento e outros afetos obedecem sendo isso inerente a toda vontade. Para Nietzsche existiam grupos de forças (ou pulsões) que andam ára direções distintas. As forças reativas fazem a vontade de potência se tornar negativa, então o agir caminha para a ilusão de ser livre. Então criamos a ilusão do eu que nos faz esquecer essa dualidade (Nietzsche apud Lobosque, 2010), tirando toda uma serie de conclusões errôneas que desembocam no pensamento de que o querer é idêntico ao agir (Nietzsche, Para Além do Bem e do Mal, 2008, p. § 19)[2].



O livre-arbítrio surge aí do prazer daquele (eu) que quer, comanda (e obedece) através de suas pulsões da vontade, pensando esse eu estar livre e acima desse incessante jogo de pulsões. Mas por que ele quer ser livre? Porque não consegue agir com a combinação de forças reativas dominando a vontade de potência que ele é. O resultado desse conflito de forças faz a vontade de potência se expressar de forma negativa (se contraindo e gerando vontade de potência negativa) e buscando algo para se expressar, no caso, uma ilusão prazerosa de falsa liberdade. Mas Nietzsche aponta que somos formados por muitas pequenas almas (pulsões) e que a pulsão dominante se apropria da conquista das outras que tendem e combatem para conseguir exercer (ou não) alguma vontade.



Essa imagem de uma multiplicidade de forças que comandam e de outras que obedecem dentro de nós formando as nossas ações destrói a antiga ideia de sujeito e de livre-arbítrio. Adiante no aforismo 21 aponta que o desejo ao livre-arbítrio é o desejo de se tornar a causa sui (cauda de si mesma). Assim como aponta que nem existe causa de si próprio (livre) nem causa e efeito determinando tudo (mecanicamente e deterministicamente) e que ao explicar o mundo por causas e efeitos estamos criando um mito (como sempre fazemos). Sua tese é que uma multiplicidade de pulsões internas (e externas) é que gera os acontecimentos, como ele diz: “na vida apenas se trata de vontade forte e fraca”. Essa vontade fraca vem das forças reativas que tendem a não expressar-se como força, mas como reação de outra força e cria a ilusão da plena liberdade por ser um niilismo. Este entendido como uma diferença entre a perfeição e a realidade.


No aforismo 36 defende que a inter-relação de forças internas gera nossos pensamentos e atitudes e põe que se se pudesse explicar esse movimento e expansão por uma vontade básica, que ele chama de vontade de potência, e todas as forças pudessem fluir como essa vontade básica o mundo seria nada mais que vontade de potência (Nietzsche, Para Além do Bem e do Mal, 2008, p. § 36). Individualmente essa vontade de potência é a “pulsação, uma pulsão originária de vida e de expansão, que leva todo indivíduo a buscar expandir sua potência de agir” (Martins, 2000, p. 3).


Assim como existe uma multiplicidade de causas exteriores (forças históricas, sociais, físicas, etc.) existe também uma multiplicidade de pulsões (forças) internas que se encontram e esse encontro pode, segundo Nietzsche, aumentar ou diminuir a vontade de potência ou nossa potência de agir no mundo. Não deixando de lado o acaso do jogo de forças tanto interno como externo nos levem para qualquer caminho, neste caso, “a ação, a atividade propriamente dita, consiste no direcionamento de nossa expressão da vontade de potência para o aumento de nossa potência de agir, transmutando o acaso a nosso favor.” (Martins, 2000, p. 4)[3]. Logo no início desse mesmo aforismo ele põe que só existe um mundo que é ao mesmo tempo formado por esse conflito de pulsações interno e forças externas que se encontram[4]. Afinal “Onde encontrei vida, encontrei vontade de potência”. Quando o homem está de posse d si, quando é capaz de criar-se a si mesmo como uma “estrela dançarina” poderá fazer uma escolha ética, pois nossa consciência não é capaz de controlar os afetos que são, em sua maioria, inconscientes. Apenas nossa camada mais fina e superficial é consciente. A escolha ética consiste em quando usamos nossa potência para significar os encontros com o devir em que o resultado intensifique a vida; tem que ter uma ação singular que intensifique a vida.


Isso significa que sendo o homem uno (superado o dualismo corpo e alma) e estando em um mundo também uno (sem causas de além-mundos), mas ainda múltiplo e em constantes choques ele só poderia exercer alguma liberdade ao conhecer seus afetos e ao conhecer as forças externas e com isso aumentar sua potência de agir, ou expandir sua vontade de potência, ou melhor, escolher eticamente e aproveitar-se dos “encontros ruins” em seu favor. Apenas assim “o que não me mata torna-me mais forte” (Crepúsculo dos Ídolos). O novo conceito de liberdade para o qual Nietzsche aponta implicitamente seria ser livre das forças que diminuem nossa potência de agir no mundo ou que diminuem a vontade de potência do individuo (alguns autores chamam de vontade de potência negativa), ou seja, não se deixar ao acaso das forças internas ou externas. As pessoas neste caso são afetadas e também afetam umas as outras (pessoas e instituições) e a si próprias ativamente através de ação que vai direcionar sua conduta, posicionamento ético, pulsões e principalmente seu conhecimento. Enfim estão constantemente afetando e sendo afetados mutualmente. Abro uns parênteses para dizer que se somos levados por forças temos que quebrar (de preferência com um martelo) os conceitos de causa, culpa e responsabilidade. Ninguém é culpado, nem causa nada e tão pouco é responsável por nada. Dizer que alguém é culpado seria dar para essa pessoa o poder equivalente ao de um deus, pois será necessário que ele controle várias forças no mundo para causar alguma coisa.



É o conhecimento de si que vai ajudar nossa libertação, por isso que ele vai dizer que o conhecimento é o mais potente dos afetos. O conhecimento da realidade é que nos leva a conseguir fazer, não aquilo que queremos, mas a encaixar o que desejamos como o desejo do acontecimento. Para Nietzsche o homem livre é guerreiro. Encerro com uma das minhas passagens favoritas do profeta Zaratustra: “Corajosos, descuidados, zombeteiros, violentos – assim nos quer a sabedoria: ela é uma mulher, ela ama somente um guerreiro”.

notas

[1] Como ele afirma no aforismo 36: “uma vez que pensar é apenas a inter-relação destes instintos (...) (Nietzsche, Para Além do Bem e do Mal, 2008, p. § 36)”.


[2] Essas ideias de Nietzsche estão antecipando a teoria do inconsciente de Freud no século XX.


[3] Quem direciona?


[4] Em outros escritos também está presente esta tese como em Crepúsculo dos Ídolos e na segunda parte de Assim Falou Zaratustra dos crentes em além-mundos.


Referencias

Abbagnano, N. (2007). Dicionário de Filosofia. São Paulo : Martins Fontes.

Giacoia Junior, O. (2000). Nietzsche. São Paulo: Publifolha.

Lobosque, A. M. (1 de Dezembro de 2010). A vontade livre em Nietzsche. Acesso em 28 de Julho de 2012, disponível em www.bibliotecadigital.ufmg.br (link)

Martins, A. (1 de janeiro de 2000). Nietzsche, Espinosa, o acaso e os afetos encontros entre o trágico e o conhecimento intuitivo. Acesso em 27 de Abril de 2012, disponível em www.oquenosfazpensar.com.br (link)

Nietzsche, F. (2008). Para Além do Bem e do Mal. São Paulo: Martin Claret.

Nietzsche, F. (2009a). Assim Falou Zaratustra. São Paulo: Martin Claret.

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