“Sem música, a vida seria um erro”
- Jaime Silva
- 10 de ago. de 2018
- 5 min de leitura

Apesar das pessoas tirarem uma interpretação literal deste aforismo ele está relacionado com a criação da sua própria vida como uma obra de arte. No entanto pretendemos mostrar alguns pontos que podem ser relacionados entre dois músicos e a filosofia de Nietzsche. Por ironia do destino os dois são nordestinos e são baianos. O primeiro deles é Raul Seixas.
Em ouro de tolo ele mostra a figura de uma pessoa decepcionada com o caminho que o “cidadão” deve trilhar. Ele critica a vida apequenada do niilista moderno. Ele está no caminho da superação e aponta “Mas que sujeito chato sou eu\ Que não acha nada engraçado\ Macaco, praia, carro\ Jornal, tobogã \ Eu acho tudo isso um saco”. Alguém que foi enganado. Se a felicidade é isso, por que não me sinto feliz? É como se ele falasse para todos nós, se essa é a vida boa que vocês acham que eu deveria seguir “eu acho isso uma grande piada\ E um tanto quanto perigosa”. E para finalizar ele não quer o descanso, pois “ainda tem uma porção de coisas grandes pra conquistar” além daquilo que ele diz já ter. E “não me sento\ No trono de um apartamento\ Com a boca escancarada\ Cheia de dentes\ Esperando a morte chegar”.
Na música metamorfose ambulante ele mostra que a verdade absoluta não existe mais. Nem em você, é uma metamorfose, pois você muda enquanto anda, por isso que ele dá os exemplos “se hoje sou estrela, amanhã já se apagou”. Ele prefere ser a mudança do devir que é a vida do que aquela velha opinião formada sobre tudo. É a vontade de nada, o niilismo que forma essa opinião cristalizada. A fé em uma verdade absoluta, eterna e estática.
Apesar de parecer uma música motivacional rockxixe está apenas mostrando alguém forte no sentido nietzschiano. Alguém que superou os medos, que sabe que é mais forte que muitos outros. Em outra canção (por que os sinos dobram) ele fala que o que ele quer ele vai conseguir. Pode-se entender que o que ele quer está alinhado com o que o mundo permite, logo ele conseguirá.
O Raul Seixas dá uma espécie de receita de vida boa. Quando “aquilo que você quer é o que pensa e faz” você está vivendo uma vida boa. Ele repete isso em várias música s. Insinua que não é dono da verdade, que não existe verdade absoluta. Ou que temos que aprender a viver em um mundo sem deus, sem leis, afinal alguém disse que “o diabo é Deus de folga” como ele brinca com a invenção do Roque.

Música s como cowboy fora da lei e Alcapone mostram que devemos mais é cuidar de nossas vidas e não carregar o mundo nas costas.
Claro que tem várias outras músicas que poderiam ter uma leitura interessante como Gita que nasceu de um dialogo entre um guerreiro e o deus Krishina e ao longo da música ele dá uma visão de deus parecida com a de Espinoza.
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Pitty é o nome da banda e também o nome artístico da vocalista e compositora Priscilla Novaes. É possível tirar uma interpretação nietzschiana de algumas músicas desta banda, principalmente no álbum Admirável Chip Novo e Anacrônico.
Uma das coisas geniais em Nietzsche foi ele ter percebido que a moral era a questão de importância maior. A moral funciona como uma programação de nosso cérebro. Vivemos em uma época onde temos uma grande liberdade da moralidade tradicional, mas somos o tempo todo obediente a outras morais. Na música admirável chip novo isso é enfatizado. Seguimos o sistema capitalista, a democracia, um pouco da tradição familiar, somos guiados por ferramentas de controle social, etc. Não tentamos nos livrar dessas jaulas, pois temos desculpas e necessidades e acima de tudo recompensas. A desculpa mais usada é que usamos é que precisamos de dinheiro para sobreviver, mas talvez seja ilusão precisar de tanto. No final esses compromissos te lavam a outros criando um circulo vicioso onde as pessoas acabam agindo como máquinas programadas: “Pense, fale, compre, beba\ Leia, vote, não se esqueça\ Use, seja, ouça, diga”. Dizer sim senhor e não senhor. As pessoas só perdem uma coisa: a vida delas.
A música máscara mostra esse segundo ponto. O homem é o único animal que tenta ser aquilo que ele não é. Também temos nossas macropolíticas que tem como objetivo deixar as pessoas homogêneas (todas iguais). Seguindo essas políticas nos escondemos cada vez mais do que somos, com medo. O medo é o primeiro inimigo do guerreiro, mas não o medo dos outros, temos medo do que somos capazes (e do que desejamos). Usamos uma máscara por tanto tempo que as vezes esquecemos que éramos como dizia Fernando Pessoa.
Na música emboscada, esta é feita pelas forças reativas. É preciso que nos cuidemos, e viva como se não houvesse amanhã. Cuidado que em cada esquina existe algo que pode te pegar, isso pode te matar ou não, e é muito sedutor. A armadilha não é algo de tentará acabar com a vida de explicitamente. Nietzsche fala que devemos viver em estado de guerra, pois existem vários conflitos acontecendo ao mesmo tempo. Dentro e fora de sua cabeça, no seu consciente e inconsciente. E ainda por cima, tem um mundo inteiro fora que te afeta o tempo inteiro, ainda tem que suportar o peso do mundo em conflito que te esmaga se você não perceber que é uma emboscada. E não esqueça: não conte com ninguém. Em “Do mesmo lado”, mostra de forma bem expressiva a ligação entre a forma de viver metafísica e a moralidade. Para Nietzsche não existe moral na natureza, então ela foi inventada. Como se o mundo tivesse sido literalmente dividido em dois. É interessante pensar as perguntas que são feitas na música. Em “Só de Passagem” mostra muito bem como somos possuídos pelas coisas que nos possuem. O profeta Zaratustra fala que aqueles que possuem menos são menos possuídos. Seria interessante pensar nas demanda que nos recompensam como o trabalho. E como seria a liberdade dessas demandas. O se tornar um espirito mais livre.
No segundo álbum chamado de anacrônico vê-se alguns pontos como a queda de valores ao longo do tempo. Na música “Déjà vu” traça um ponto de ligação com a não existência da verdade absoluta que o Raul Seixas faz em metamorfose ambulante e outras. Assim como não existir fórmula para acalmar as grandes questões da vida humana. Essa condição humana não machuca mais, não é preciso explicação religiosa. Já somos mais do que isso, sentimos a vida com a natureza (chuva) e nos libertando das fórmulas prontas.
Mas quando isso é feito, nos tornamos uma espécie de brinquedo torto. Não servimos para o mundo da tristeza ("onde o lento suicídio de todos se chama ’vida’", Zaratustra 'do novo ídolo'). Esquecemos as regras e temos que ser abatidos. O abate é a venda de nossas vidas a um sistema baseado no lucro, que deixa a vida em segundo plano. Pois ainda temos muito do tipo que é sedento de poder[1]. Ir matando os heróis como se não há mais nenhuma lição para aprender. Isto só pode ser feito por um tipo forte. Um tipo que dar o melhor de si para mudar o mundo ao redor é tão automático quanto respirar. Onde as memórias não assustam mais. Onde o herói pode ser você mesmo no passado ou futuro, mas ele não é necessário, pois você já é o que deveria ser.
Para tudo isso eles mostram uma coisa condizente com a filosofia: ser guerreiro. e enfrentar seus medos, suas clareza, poder, cansaço. Depois de superar seus medos o guerreiro pode ser seduzido pela clareza. Depois da clareza o guerreiro adquire poder. E quando supera este, se sentirá cansado. Ele pode superar isso. Mas o primeiro passo é superar o medo de ser tachado.
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